
Reportagem
A Petrobras é do Brasil e do povo brasileiro
Precisamos resgatar a maior empresa do Brasil das mãos do capital especulativo', escreve Deyvid Bacelar, da FUP
O presidente Jair Bolsonaro, enfim, demitiu o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, que há dois anos ocupava a direção da empresa. Quem ocupar sua cadeira deve ter as competências necessárias para a função. Tem também a obrigação de parar a política de destruição do seu antecessor.
Antes de assumir o cargo – e sem conhecer os números da empresa – Castello Branco já anunciava privatizar refinarias e concentrar atividades da Petrobras no eixo Rio-São Paulo. E desde o dia um, sua gestão agiu para destruir o patrimônio da empresa.
Eis alguns exemplos:
1 – Assinou compromissos desnecessários com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica prevendo a venda de ativos;
2 – Vendeu o controle da BR, a maior distribuidora de combustíveis da América Latina, sem cobrar o prêmio de controle;
3 – Vendeu 90% das redes de gasodutos;
4 – Vendeu a Liquigás, o principal instrumento de controle do preço do botijão de gás de cozinha;
5 – Vendeu praticamente todos os campos de produção de petróleo em terra do País;
6 – Vendeu metade das bacias de campos e de Santos (inclusive áreas no pré-sal);
7 – Extinguiu investimentos em biocombustíveis e em energia eólica, energias limpas para o futuro;
8 – Acabou com o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, transformando-o em uma Unidade de Processamento de Gás Natural;
9 – Acabou com a produção de fertilizantes, aumentando a dependência do agronegócio da importação desses insumos;
10 – Colocou à venda todas as atividades da empresa nas regiões Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste.
O argumento de que as receitas das vendas reduziriam o endividamento e, consequentemente, os juros cobrados da empresa, desde o início questionável, não se sustentou. Com raríssimas exceções, os ativos vendidos tinham Valor Presente Líquido positivo.
Além disso, o custo de capital de grandes empresas, como a Petrobras, é balizado pelo Custo Soberano do Brasil. Nenhuma companhia nacional consegue baixar a taxa de juros que paga para captar recursos no mercado internacional em patamares mais baixos.
E mais: como a gestão Castello Branco concentrou as atividades em Exploração e Produção, onde os riscos são maiores (e os custos dos empréstimos também), acabou anulando a estratégia de redução do endividamento para redução do custo do capital. Ou seja, vender ativos para reduzir a dívida e aumentar a dívida para pagar dividendos. Os especuladores adoram!
O que temos visto nos últimos dias é a defesa de quem vem destruindo a Petrobras, mas prometeu pagar US$ 30 bilhões em dividendos nos próximos cinco anos. Sempre acompanhado de ataques à companhia, sobretudo por operadores do mercado financeiro. Não à toa, a Comissão de Valores Mobiliários abriu investigação para apurar irregularidades com a venda recente de opções da Petrobras.
A Petrobras continua gerando lucros, apesar das engenharias contábeis da gestão Castello Branco. Foi e ainda é o principal instrumento de fomento à industrialização do Brasil. Nos últimos anos, contudo, foi capturada pelo capital financeiro, que vem impondo na empresa a lógica do lucro no curto prazo. Precisamos resgatá-la.
A Petrobras precisa voltar a investir, voltar a gerar as centenas de milhares de empregos diretos e indiretos, voltar a fomentar o desenvolvimento com inclusão social.
Para isso, alguns pontos precisam ser observados:
1 – O preços dos derivados é central, e uma nova política é necessária. Desde 2016, esses preços tem subido muito acima da inflação e da renda do brasileiro, alimentando uma reação popular contrária à Petrobras e ao governo.
As refinarias não trabalham em carga máxima – em 2020, ficaram em 77% de sua capacidade. A Petrobras optou por reduzir a carga, exportar petróleo cru e importar derivados. As refinarias podem ajudar na redução dos preços, aumentando a produção. E temos de retomar os investimentos no aumento da capacidade do refino. O segundo trem da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) é fundamental.
Mas é preciso mudar a política de preços e considerar outros fatores além da paridade de importação, como os custos nacionais de produção. Isso é possível e não traz prejuízos à Petrobras;
2 – A Petrobras precisa voltar a investir no Brasil. Os investimentos da empresa em 2020 foram os mais baixos dos últimos 20 anos, 50% abaixo do realizado em 2016, que já era bem abaixo dos anos anteriores. Estes investimentos geram empregos e renda e desenvolvimento . É preciso retomar os índices de conteúdo local, que caíram de 55%, em média, para 25%.
3. A Petrobras precisa ser integrada, “do poço ao posto”, para sofrer menos com a flutuação do petróleo e do dólar. A Petrobras integrada e atuando em todas as regiões gera mais lucro para os acionistas e induz o desenvolvimento do país.
4. A gestão da empresa precisa dialogar mais com os trabalhadores e o movimento sindical. Precisa de um canal de diálogo para não voltarmos a conviver com movimentos grevistas.
Precisamos resgatar a maior empresa do Brasil das mãos do capital especulativo e retomar sua trajetória como principal mola propulsora do desenvolvimento industrial do País, marca registrada na maior parte dos seus quase 70 anos de história.
A Petrobras é do Brasil. A Petrobras é do povo brasileiro.
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BACELAR, Deyvid. A Petrobras é do Brasil e do povo brasileiro. Carta Capital, 02, março de 2021. Opinião. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-petrobras-e-do-brasil-e-do-povo-brasileiro/>. Acesso em: 17, março de 2021.
Resenha
Uma estatal em descaso do Estado
O processo tardiamente impulsionado nos anos 30, a fim de desenvolver integralmente o território nacional, é a industrialização do país, que contou com a criação da Petrobras (Petróleo Brasil) duas décadas seguinte. A reportagem de Deyvid Bacelar, coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), traz à tona o envolvimento político com uma empresa de grande importância e renome nacional e internacional.
A empresa estatal possui capital aberto e atua na indústria de óleo, gás natural e energia desde o período populista e nacionalista da Era Vargas - já que revela os ideais de indústrias de base para expandir o país na época. Entretanto, o cenário atual com a mudança na gestão e com os desinvestimentos denota-se a partir da reportagem, uma deficiência da estatal. Prejuízo, endividamento e descaso caracterizam o rumo da “política de destruição”, devido à série de atitudes impulsivas, elitistas, desiguais, do mandato de Castelo Branco.
Deste modo, é notória a urgência de fiscalização, organização e conscientização por parte do Governo Federal (já que uma estatal está em descaso do Estado), caso o contrário o declínio vigente da Petrobras se perpetuará, na forma preocupante descrita por Deyvid Bacelar.
Diante de tudo exposto, tem-se uma empresa que é um marco do processo industrial de um país em desenvolvimento, por isso necessita, enfim, do investimento e cuidado do Estado, principalmente por ser de sua inteira responsabilidade. As instabilidades e inconstâncias sociais e econômicas refletem o modo a qual a Petrobras vem sendo conduzida.